O Dia em que me Estressei com Robert Plant
Termino de me vestir contente e me viro para ir embora, mas uma pessoa se materializa na minha frente. “Você vai sair assim?” - Robert Plant me pergunta com desdém

É sexta-feira à noite e eu havia acabado de fazer planos misteriosos para aquela que seria mais uma noite na pele de uma jovem em seu primor da curiosidade e liberdade. Chego em casa depois de um longo dia de trabalho, preparo um jantar razoavelmente saudável porém frenético, tentando apressadamente terminar as obrigações de sobrevivência e poder focar na parte realmente divertida do porvir.
Corro para o meu banho e depois fecho a porta do meu quarto para manter meu antro sagrado longe dos ruídos da cidade: eis enfim o momento de me arrumar para o que me aguarda nas próximas horas.
Ligo o som em volume razoavelmente saudável porém alto o suficiente para preencher o meu espírito e coloco minha trilha sonora de preparação pré-festa: Led Zeppelin. Abro o meu armário e analiso as opções de blazers, blusas e vestidos. Opto pelo meu jeans tradicional, minha bota de couro e uma camisa social mais sociável que formal. Olho para o espelho e me certifico de que gosto do resultado. Me viro para pegar as chaves e ir embora, mas de súbito uma névoa esfumaçada bloqueia a porta e uma pessoa se materializa em minha frente.
“Você vai sair assim?” - Robert Plant me pergunta com desdém.
“Por que?” - me viro rapidamente para ver meu reflexo novamente e checar se tem algo de errado com meu look- “Não gostou dessa roupa?” - pergunto enquanto remexo nervosa o meu cabelo.
“Está adorável, porém falta um pouco mais traços da ousadia que você quer demonstrar ao mundo, não acha?” - ele me olha de de cima a baixo - “Onde estão os acessórios para completar sua áurea viking?”
“Rob, já sei o que vai dizer, nem começa. Hoje eu não estou com vontade de usar flores no cabelo. No dia em que fiz isso eu me senti mais folclórica do que libertina.” - respondo desconfortável e coçando minha testa, já prevendo que os seus conselhos seriam os mesmos de sempre.
“Aeron, presta atenção. Nós atraímos aquilo que expomos. Uma vez eu saí com uma mulher terrivelmente grosseira, não conversava comigo e apenas abusava da minha boa vontade. Um amigo me aconselhou a deixá-la e ir em busca de uma prima sua, ele suspeitava de que faríamos um bom par. Eu não a conhecia, apenas tinha a informação que ela usava flores no cabelo e tinha um olhar profundo, como que em busca constante de romance. Entende? Apesar de não saber nada sobre ela, pressentia um encontro de almas. Você deve ser a moça de flores de cabelos e atrair aqueles em busca de encantos.” - ele se emociona e finge limpar uma lágrima dos olhos.
“Tudo bem, mas tem que ser tão literal assim? Eu não posso ser a ‘moça de flores no cabelo’ usando ao invés disso um bracelete antropológico?” - eu não me afeto pela sua performance forçada e pego minha pulseira de pedras favorita, tentando aplacar suas exigências o quanto antes.
“Certo, pode. Contanto que esse item deixe claro suas intenções extraordinárias, então tudo bem.”
“Going to California with an aching in my heart
Someone told me there's a girl out there
With love in her eyes and flowers in her hair
[…]
To find a queen without a king
They say she plays guitar and cries and sings
Ride a white mare in the footsteps of dawn
Trying to find a woman who's never, never, never been born”
- Going to California
Sorrio aliviada, lhe dou um abraço rápido e me despeço, já estou atrasada, o aviso.
“Querida, você definitivamente ainda não está pronta!” - ele se impacienta e me chama de volta.
“Mas o que falta agora?!” - pergunto já esbaforida e colocando as mãos na cintura- “Você está parecendo minha mãe, nunca está satisfeito!”
“Ora essa! Como você vai encarar a loucura noturna jovial sem um delineador intimidador?! Deve deixar claro aos outros que não quer assunto com covardes! Se no fundo do seu coração você quer explorar o deserto árido do oriente e conhecer povos cujas tradições clamam por intervenções divinas, então você tem a obrigação de aprontar olhos marroquinos misteriosos.”
Concordo em silêncio para não dá-lo motivos para a arrogância de estar certo. Faço a maquiagem e o resultado fica bem melhor que antes. Me viro para ele e damos piscadelas de decisão certa tomada.
“Oh, let the Sun beat down upon my face
With stars to fill my dreams
I am a traveler of both time and space
To be where I have been”
- Kashmir
“E o seu cabelo? Você poderia deixá-lo mais ondulado que o normal, dar uma diferenciada!” - ele continua me dando ordens.
“Meu cabelo tem sua própria liberdade de expressão e hoje não estou com humor para intervir na sua vontade.” - me imponho com elegância levantando a mão direita em sinal de freio - “Eu sei que você já se apaixonou por uma mulher de cabelos pretos longos e esvoaçantes, mas, com todo respeito, não quero que projete em mim traços de todas as suas ex namoradas.” - sorrio maliciosamente e ele ri do atrevimento.
“Ok ok, justo.” - ele responde bobamente.
“The girl I love, yeah, she got long black wavy hair, oh yeah
Her mother and her father, lord
They sure don't, sure don't allow me there”
- The Girl I Love She Got Long Black Wavy Hair
“Posso ir agora?”- pergunto com confiante determinação.
“Pode.”- ele segura meus ombros assim como um sensei faria com um aprendiz antes da aguardada provação final definidora do futuro - “Mas antes, lembre-se dos seus ensinamentos.”
“Tudo o que vive está destinado a morrer. Não chore pelo fato e sim entenda a importância de viver intensamente, como se estivesse no topo da montanha de seus sonhos observando o horizonte em busca de preciosidades. O que importa não é a duração das interações, e sim a profundidade dos momentos. Insira visões romantizadas em cada troca de olhar. Rejeite noções aleatórias e opacas da realidade.”
“Escolha bem a companhia. Prefira os insanos e expansivos. Saia daqui com um sorriso esperto de quem sabe o que está acontecendo, de quem tem um coração em chamas. Passe a sensação de conhecer os segredos alheios, como se você fosse a lembrança mais nostálgica do passado de quem nunca lhe dirigiu a palavra. Exija verdade de qualquer um pelo qual despeje seu afeto. Se retire quando sentir-se incompreendida. Explique que o verão se aproxima e que seus ventos chamam seu nome, em sinal das aventuras vindouras.”
“Ignore a angústia. O que deve ser, se realizará. As estrelas da fortuna têm várias ramificações, mas os rios sempre encontram o mar. As asas do ‘talvez’ se transformam também nos pássaros da determinação, e a coragem é uma águia que no momento de necessidade sempre decide sair do ninho.”
“Não tema mudanças. De ambiente, de pessoas, de ideias e sonhos. Não tema desejar alguém desesperada e enlouquecidamente. Não tenha medo de sofrer ao imaginar como seria se estivessem juntos e o que poderia ter sido. Se jogue à imaginação. Sinta-se sortuda e lamente o azar das pessoas que nunca sentiram na pele a dor da paixão, aquela faísca que apura as emoções, aprimora os sentidos e clarifica as ambições.”
“Agora, siga seu caminho.” - ele termina, ao que nos abraçamos como amigos de longa data. Digo a ele que pode ficar à vontade no meu quarto e que não tenha pressa de sair.
“O livro que te sugeri está em cima da cômoda, pode dar uma olhada. Se for afligido pela vontade catártica de escrever, pode usar qualquer um dos meus cadernos na estante. Caneta é o que não falta. Tem lanche na geladeira. Volto em breve para te contar as novidades, aquelas das quais não tenho como prever nesse momento e sim apenas antecipar as sensações curiosas.” - estico a mão para abrir a maçaneta, quando uma névoa esfumaçada ofusca a minha cama e uma pessoa se materializa sentada nela.
“Mas já vai sair?! E sem lenço no pescoço?!” - Mick Jagger exclama ao mesmo tempo em que saio do quarto.
“Ah não, hoje não tenho condições de lidar com os dois ao mesmo tempo!” - me defendo e fecho a porta, deixando-os sozinhos para fofocarem. Um guru espiritual é suficiente por noite. Desço no elevador e ao abrir o portão, salto na brisa gelada da madrugada esperançosa.
“Thinking how it used to be
Does she still remember times like these?
To think of us again
And I do
Tangerine, Tangerine
Living reflection from a dream
I was her love, she was my queen
And now a thousand years in-between”
- Tangerine
Já sei de quem se refere! Mami
Até me deu vontade de botar Going to California na vitrola. Botei.